DEFINIÇÃO

Em nosso curso vamos nos aprofundar no tema da aliança dentro da perspectiva da Teologia Bíblica. Para tanto vamos começar tentando entender o que é teologia bíblica e como esta disciplina se relaciona com as demais “teologias” dentro da Enciclopédia Teológica

O que é Teologia Bíblica?

Aos olhos de muitos parece óbvio que toda a TEOLOGIA tem que ser BÍBLICA. Mas isto não é fato. Na estrutura dos estudos acadêmicos encontramos diferentes formas de se “fazer” teologia. Além da Teologia Bíblica encontramos a Teologia Dogmática, Teologia Histórica, isto sem contar com a infinidade de teologias Contemporâneas que apareceram no século passado como as teologias das minorias (Negra, Feminista, da Libertação, etc). Ainda que sejam chamadas de TEOLOGIA, que significa etimologicamente “estudo de Deus”, grande parte desses estudos não toma as Escrituras como fonte de estudo. Assim, é fundamental entendermos com clareza o terreno em que estamos pisando para não cairmos em “buracos” ao longo do caminho .

A maioria das teologias mencionadas acima difere uma das outras em dois aspectos de sua essência: pressupostos e métodos. Em alguns casos os pressupostos são puramente filosóficos e terminam até mesmo por desprezar completamente a Bíblia afirmando que para se fazer “boa teologia” devemos nos livrar dela e do que ela nos ensina. Em outros casos a Bíblia serve apenas como um acessório, mas não como a fonte de conhecimento teológico.

Nosso pressuposto confessional neste curso é de que toda a boa teologia bíblica, para ser verdadeira teologia, tem que tomar a Bíblia como fonte INSPIRADA, INERRANTE e INFALÍVEL.

O acadêmico Gerhard Hasel, especialista em Teologia Bíblica, alista em seu livro Teologia do Antigo Testamento: Questões do Debate Atual, mais de 950 títulos de livros e artigos que tratam da teologia bíblica nos mais diversos aspectos. Ainda que a disciplina seja relativamente nova podemos afirmar que existe entre os estudiosos uma “crise” quanto à sua natureza e definição. Mas não nos desanimemos. Posso dizer como testemunho pessoal que o estudo da TB foi um dos empreendimentos mais “lucrativos” para a minha compreensão da teologia, da unidade das Escrituras e para a minha vida pessoal como Cristão, esposo, pai e pastor.

Terreno

Para começar a esboçar nossa definição de TB precisamos mapear a área em queestamos andando, afinal, queremos dar passos seguros. Para começar a mapear a área émuito importante definir quais são os pressupostos com que vamos trabalhar. O uso do termo “BÍBLICA” no título da disciplina reflete alguma coisa do terreno que queremos conhecer. Por isto precisamos perguntar seriamente o que queremos dizer com esta palavra, o que entendemos ser a Bíblia, e para que fim ela está em nossa disciplina.

  • O que é a Bíblia para você?
  • Um simples texto que manifesta uma série de verdades universais?
  • Um livro que reflete um grande número de crenças de um povo antigo chamado Israel e uma comunidade chamada cristã?
  • Ou a Bíblia é mais do que isto ?

O cristianismo histórico define a Bíblia como a Palavra de Deus! Acrescido a essa definição precisamos de certos “qualificadores” que nos permitam identificar exatamente o que queremos dizer. Muitos podem dizer que a Bíblia é a Palavra de Deus e ao fim manifestar diferentes conceitos quanto a ela.

Os cristãos afirmaram através dos tempos que esse livro chamado Bíblia é a Palavra de Deus inspirada, infalível, inerrante, autoritativa e a sua única regra de fé e prática (normalmente estes conceitos são trabalhados em disciplinas de introdução à Teologia Sistemática [Prolegomenos]). Nela Deus revelou tudo o que Lhe aprouve revelar para o bem dos seus filhos.

Segundo a Confissão de Fé de Westminster I.I:

“ ...foi o Senhor servido, em diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservação e propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever toda..." (Daqui para frente CFW).”

Portanto, em nossa definição, estamos tomando o conceito acima como ponto de partida. Isso é fundamental, porque no universo acadêmico vamos encontrar muitos estudiosos lidando com a teologia bíblica sem, no entanto, considerar qual quer dessas definições como verdadeiras. Isso pode tornar as coisas um tanto confusas.

O conceito acima é conhecido como um conceito ortodoxo de inspiração das Escrituras. Em contrapartida encontramos conceitos diferentes destes e os consideramos como não ortodoxos ou heterodoxos.

Ortodoxia

É considerado um conceito ortodoxo aquele que aceita plenamente a definição de que a Bíblia toda é inspirada por Deus, inerrante e infalível. Neste grupo podemos encontrar um grande número de representantes em diferentes denominações históricas. Em alguns casos são chamados de conservadores, fundamentalistas ou até mesmo evangélicos somente (principalmente no contexto norte americano).

Heterodoxia

Os não-ortodoxos não aceitam a teorias da inspiração das Escrituras como a entendemos, principalmente quanto à inerrância. Muitos heterodoxos chegam a afirmar que creem na inspiração da Escrituras e até na sua infalibilidade, mas certamente não aceitam que as Escrituras não erram em tudo o que afirmam. Pensam que como literatura a Bíblia contém vários erros em diversas áreas, sendo que ela é infalível quanto às verdades chamadas “espirituais”. Os heterodoxos também estão representados em várias denominações históricas. Podem usar em seus estudos e sermões um linguajar extremamente semelhante ao que os ortodoxos usam, podendo confundir quem ouve a respeito de sua posição. São geralmente chamados de liberais ou neo-ortodoxos.

A maioria dos livros de teologia bíblica traduzidos para a língua portuguesa tem pressupostos heterodoxos,por isso é de fundamental importância estarmos atentos aos títulos que trazem a teologia bíblica como tema. Estes livros são geralmente publicados em língua portuguesa pelas Edições Paulinas, Paulus, Vozes, Sinodal, e ASTE, entre outros.

Citaremos em nosso curso vários desses textos e comentaremos suas posições para que tenham uma ideia clara das diferenças que os pressupostos fazem em nossa teologia.

Buscando uma definição ortodoxa

  1. George Ladd [Teologia do Novo Testamento (Rio de Janeiro: JUERP, 1984), p. 25] traz a seguinte definição:

    A teologia bíblica é a disciplina que estrutura a mensagem dos livros da bíblia em seu ambiente formativo histórico. A teologia bíblica é primariamente uma disciplina descritiva. Ela não está inicialmente preocupada com o significado último dos ensinos da Bíblia ou com a sua relevância para os dias atuais. Esta é a tarefa da teologia sistemática. A tarefa da teologia bíblica é de expor a teologia encontrada na Bíblia em seu próprio contexto histórico, com seus principais termos, categorias e formas de pensamentos. O propósito da Bíblia é contar uma estória sobre Deus e seus atos na história.

  2. Wilson C. Ferreira (Esboço de Teologia Bíblica do Novo e Velho Testamentos,(Campinas: LPC, 1985), p. 20-21) responde à pergunta tema de nossa aula da seguinte forma:

    Teologia Bíblica é o ramo da Teologia Exegética que busca descobrir, conhecer e explicar a revelação de Deus ao homem, conforme se entende das Escrituras Sagradas do Velho e Novo Testamento – A Bíblia Sagrada.

  3. Grant Osborne (Espiral hermenêutica: Uma nova abordagem à interpretação bíblica.São Paulo: Vida Nova, 2010)define a Teologia Bíblica como :

    O braço da pesquisa teológica que se preocupa em encontrar temas através das diversas seções da Bíblia e então procurar os temas unificadores da Bíblia.

Podemos considerar que estas três definições trazem em comum um ponto: a Bíblia como fonte última. Isso é importante de ressaltar porque muitos teólogos consideram que é impossível encontrar uma teologia bíblica. Podemos também dizer que os três autores citados partem de um pressuposto ortodoxo quanto ao valor das Escrituras. Até mesmo a definição de Ladd, que traz a seguinte sentença “O propósito da Bíblia é contar uma estória sobre Deus e seus atos na história” deve ser considerada como ortodoxa considerando que a diferença que faz entre “estória” e “história” não significa que os eventos narrados e a teologia explicada por eles sejam fictícios. O que Ladd tem em mente é que a história que encontramos na Bíblia não se encaixa nos padrões que historiadores modernos considerariam aceitáveis para um livro de história. Ao estudar as Escrituras partimos do princípio que tudo o que se encontra nelas é verídico, mas seu propósito principal não é de servir como um relato de história e sim como o registro dos atos e palavras de revelação de Deus naquilo que aprouve a Deus revelar e fazer registrar. Assim, a história que encontramos nas Escrituras é uma história seletiva, ou seja, registra apenas aquilo que tem valor para a sua função teológica.

Pontos discordantes

No entanto, ainda que tenham um ponto de partida em comum, encontramos várias diferenças.

a. Observe que a primeira definição diz que a Teologia Bíblica (de agora em diante TB)é uma disciplina primariamente descritiva, ou seja, o seu papel é meramente o de observar e relatar a teologia conforme encontrada nas Escrituras.

b. Já a segunda definição abre um pouco mais o campo da TB quando fala em "conhecer e explicar" a revelação; o autor reconhece que o papel da disciplina vai além do papel descritivo e entra para o campo da aplicação.

c. A terceira definição tem uma ênfase bem diferente das duas primeiras. A sua ênfase recai sobre a descoberta de temas que demonstram a unidade das Escrituras.

Pessoalmente creio que a TB tem um papel mais abrangente do que ser meramente descritiva. Creio que a TB dá os primeiros passos rumo a aplicação teológica que será concluída pela Teologia Sistemática (veremos mais adiante sobre a relação entre estas duas disciplinas).

Portanto, a meu ver, a TB tem um papel descritivo e normativo (a preocupação em retirar o significado último do texto e sua relevância como norma de vida para o cristão).

Nossa definição

Para trabalharmos bem a nossa disciplina tomamos como definição a junção de duas definições:

Gerhardus Vos:[2]

“ A Teologia Bíblica é o braço da Teologia Exegética que lida com o processo da auto-revelação de Deus registrado na Bíblia. ” ( Geerhardus Vos. Teologia Bíblica: Antigo e Novo Testamento. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2010.)

Gerard Van Groningen concorda e acrescenta:

“Finalmente, o assunto da teologia bíblica é o processo da revelação divina. De fato, a teologia bíblica, como disciplina, se endereça particularmente e especificamente à história da revelação porquanto executada no curso do tempo de Adão a Malaquias e desde a anunciação do nascimento de Cristo até o último escrito inspirado do apóstolo João, o Livro de Apocalipse.”

(Criação e Consumação, São Paulo: Cultura Cristã, 2003 - várias de nossas aulas posteriores serão adaptações dos capítulos do livro de Van Groningen).

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