Aula 10 - Proto Evangelho
Adaptação de Criação e Consumação, capítulo 6. Leia a aula cuidadosamente, absorvendo o conteúdo e fazendo anotações. Você vai encontrar muitas citações do hebraico, todas transliteradas, e com a tradução imediatamente após.
Este capítulo trata da revelação registrada em Gênesis 3.8-4.25. Este material é constituído da última parte da primeira seção tôledôt (Gn 2.4-4.26) [As toledot são normalmente traduzidas como "gerações" ou "história de" -ex. Gn 2.4, Gn 37.1 \/ prof. Mauro]. Considerando que a primeira parte desta seção foi relacionada integralmente ao que Gênesis 1.1-2.3 registrou, o material a ser trabalhado agora nos introduz ao que aconteceu depois da criação de todas as coisas, ao estabelecimento do pacto da criação e à quebra do relacionamento pactual entre o Senhor soberano do pacto e seus vice-gerentes. A "história verdadeira" da Bíblia não começa com Gênesis 3.8, começa com a criação do mundo e o estabelecimento do reino cósmico. E, considerando que a primeira parte de Gênesis 2.4-4.25 desenvolveu o que Gênesis 1.1-2.3 registra a respeito do estabelecimento do pacto da criação, a segunda parte revela como Deus Yahweh introduziu, estabeleceu o palco, e começou a revelar o "pacto da redenção". Desta forma, a primeira seção tôledôt amplia o pacto da criação e introduz o pacto da redenção que Yahweh revelou e estabeleceu como seu meio de manter, restaurar e trazer o pacto da criação à consumação. Através desta ação pactual, Deus Yahweh sustentava seu reino cósmico, revelava sua intenção de continuar a mantê-lo em um contexto de oposição e dava a conhecer o modo como iria conduzi-lo a uma consumação gloriosa e vitoriosa.
Gênesis 3.8-4.25 tem seu foco no "protoevangelho". Este termo não é tão usado e conhecido em décadas recentes como já foi. O fato de que Henry L. Ellison intitulou seus comentários de Gênesis 3.15 "O Protoevangelho", indica que o termo é usado pelos estudiosos evangélicos. Para Ernest Kevan o termo se refere especificamente às palavras que Deus falou quando se dirigiu a Satanás na presença de Adão e Eva. A mensagem tem sido considerada a primeira revelação redentora (ou evangelho) no Antigo Testamento embora muitos escritores críticos não concordem e alguns escritores evangélicos tenham expressado alguma incerteza. A primeira mensagem da redenção não foi somente a respeito da atividade redentora messiânica e da vitória assegurada, mas também incluiu a revelação com respeito à antítese divinamente estabelecida,concernente ao juízo certo que aguarda Satanás.
A Revelação Divina do Protoevangelho em Gênesis
O Texto: 3.8-4.25
O debate continua sobre a natureza exata de Gênesis 3.8-4.25. Este debate inclui a discussão do relato do papel de Satanás no pecado de Eva e Adão (Gn 3.1-7). Gordon Wenham reviu as opções. Será que este relato é, basicamente, “o paradigma do pecado para um narrador? Ou é um relato histórico?" Wenham fez uma apresentação bem desenvolvida do modo como o relato é um paradigma, um "modelo de tudo o que acontece quando o homem desobedece a Deus". Mas ele admite um caráter proto-histórico à passagem, porque Gênesis traça a descendência da raça humana a partir de Adão e Eva e seu caráter pecaminoso, até as atividades pecaminosas dos primeiros ancestrais. Seria correto, no entanto, referir-se a esta passagem antes de tudo como sendo histórica; em primeiro lugar; registra o que aconteceu de fato nas vidas de Adão e Eva, seus filhos, Caim, Abel, Sete e sua descendência imediata.
Também não há como negar o caráter paradigmático da passagem, porque o caráter do pecado e suas consequências não vem sendo tão diferentes assim através da história daquilo que foram no tempo das primeiras gerações de pessoas pecaminosas.
Quatro temas teológicos principais, embutidos na narrativa histórica, são discutidos na parte I deste capítulo (Gn 3.8-4.25).
(1) A forma de abordagem de Deus Yahweh aos pecadores; (2) as maldições pronunciadas; (3) as garantias a respeito da continuidade da vida pactual no reino cósmico; e (4) a resposta sêxtupla humana. Estes temas serão seguidos de uma discussão das virtudes de Yahweh reveladas nesta passagem.
Deus Yahweh não se afastou dos desobedientes, pecaminosos e culpados Adão e Eva. Keil afirmou bem o caso: "Deus não quer e não os deixa sozinhos. Ele se chega a eles como um homem ao outro". Deus não se aproximou chamando-os; ao contrário, como já fizera antes, tornou conhecida sua presença constante: qôl yehwâ elohîm (o som de Deus)caminhando pelo jardim. Comentaristas concordam que Yahweh estava fazendo o que tinha feito antes. Deus continua a habitar "ainda na terra" com seus portadores de imagem pactuais. Ele continuou, como antes, a conversar com seus vice-gerentes. Wenham acertou ao chamar a atenção para o fato da caminhada de Yahweh pelo jardim "não ser fora do normal; mas a reação do homem e sua esposa sim". Eles tentaram, em vergonha, esconder-se de seu amigo e Senhor. O Soberano do paraíso e do céu não se afastou; o texto nos informa que Deus Yahweh wayyiqrâ (e ele chamou) o homem e disse a ele, 'ayyekâ (onde está você?). Esta pergunta não parece ser uma expressão de curiosidade ou surpresa por parte de Yahweh. Wenham e Umberto Cassuto estão corretos quando mostram que Deus Yahweh está chamando Adão e sua esposa, exigindo que eles prestem contas de si. Keil afirmou, referindo-se às palavras de Deus Yahweh, que "este modo humano de comunicação entre o homem e Deus não é mera figura de linguagem, e sim uma realidade", uma realidade que tem seu fundamento na realidade de que Deus criou o homem e a mulher à sua imagem.
Deus Yahweh tambéma bordou a Caim. Na verdade, ele fez isto duas vezes. A primeira vez foi para advertir Caim de que era perigoso abrigar e nutrir a raiva e o desânimo (Gn 4.6-7). A segunda vez foi para exigir a prestação de contas de Caim pelo que ele havia feito a Abel (Gn 4.9).
Nas abordagens que Deus Yahweh fez a Adão, Eva e Caim, ele demonstrou seu senhorio soberano sobre eles. Ele lhes fez saber o que exigia deles à luz do que havia feito por eles e dado a conhecer previamente. Ele tomou e manteve a iniciativa de manter um relacionamento com eles; ele os fez conhecer que continuaria a exercitar seu senhorio pactual e real e que a mulher e os homens (Adão e Caim) não se deveriam considerar absolvidos de responsabilidade em relação ao seu Suserano divino. As motivações de Deus Yahweh, sua justiça, graça e misericórdia serão discutidas nos parágrafos subsequentes.
Deus Yahweh pronunciou quatro maldições quando abordou Adão, Eva e Caim. O termo 'arûr é usado quando ele se dirige à serpente (Gn 3.14); quando ele se dirige a Adão e referiu-se a ha 'adamâI (o solo) (Gn 3.17); o mesmo quando ele se dirigiu a Caim (Gn 4.11). O conceito expresso pelo termo aparece frequentemente nas Escrituras. Ainda que outros cinco termos hebraicos sejam traduzidos por "maldição" (qalal, 'ala, qabab, naqab, e za'am, 'arûr), a forma qal passivo do verbo 'arar expressa com a maior força a intenção do que Yahweh disse. Os estudiosos concordam plenamente que o conceito assírio araru, que comunica a ideia de ardil e retenção, poderia bem ser a etimologia do termo hebraico. Em hebraico, a ideia de "reter" é proeminente. Por essa razão, aqueles que são amaldiçoados, são retidos, banidos, e separados de uma circunstância ou situação original ou preferida. Quando Deus Yahweh pronunciou uma maldição, ele reteve aqueles que estavam sob sua ira e os removeu da esfera de bênção ou removeu as bênçãos deles. Deste modo, assim como as criaturas de Yahweh - todos os aspectos da criação-podiam ser encerradas firmemente nos limites do seu amor, da mesma forma, podiam ser encerradas firmemente sob sua ira e experimentar as consequências severas dela. Devemos entender que quando o protoevangelho foi proclamado, uma parte integral desse evangelho\/boas-novas foi a maldição de Yahweh que colocava toda a criação sob a ira de Deus Yahweh. Mas a maldição não era absoluta em todos os casos; na verdade, era uma maldição mitigada na maioria dos casos.
Deus Yahweh pronunciou uma maldição contra a serpente: 'arûr 'attah miccal-habbehemâ (maldita és entre todos os animais domésticos, RA). A preposição min nesta frase tem sido interpretada como "mais do que" e como "em distinção de". O termo, como traduzido na RA, sugere, basicamente, a ideia de que a serpente deveria experimentar a ira de Deus de forma mais completa do que todas as outras criaturas. Ela ser condenada a mover-se sobre seu ventre e ter sempre sua cabeça (e narinas) no chão, e ter o pó nas suas narinas e boca, confirmam a ideia de que a serpente deveria suportar essa carga pesada e humilhante por causa da sua submissão e serviço a Satanás. Mas a maldição não era absoluta; embora a serpente não pudesse evitá-la (nesse sentido era absoluta, i.e., absolutamente inevitável), não era absoluta no sentido de que a serpente fosse ficar destituída da vida, alimento, movimento e autoproteção.
A maldição dirigida à serpente, no entanto, também foi dirigida diretamente a Satanás. Esta maldição foi absoluta. Satanás teria sua cabeça esmagada; ele seria completamente dominado, derrotado e feito impotente. A vida e o envolvimento no reino cósmico de Yahweh chegariam a um fim. Esta maldição foi dirigida a Satanás e sua semente, seus seguidores demoníacos e aqueles da raça humana que permanecessem sob seu controle e a seu serviço. O pronunciamento desta maldição sobre Satanás incluiu uma promessa de vitória para a mulher e sua semente porquê do esmagamento de Satanás viria a vitória e a continuidade de vida para aqueles da raça humana que viessem a ser incluídos na semente da mulher.
A maldição pronunciada sobre Satanás e sua semente, com a declaração correlata de vitória e vida para a semente da mulher, também incluiu um pronunciamento da maldição sobre a semente da mulher. A ira de Deus Yahweh seria sentida no "esmagamento no calcanhar". Esta é uma declaração eufemística que, no processo do tempo e da história, foi demonstrada como sendo uma referência ao sofrimento, condenação, morte e sepultamento de Jesus Cristo que sofreu a ira de Deus e teve a maldição da humanidade colocada sobre si (Rm 5.9; 1 Ts 1.10; Gl 3.10-13). Esta maldição que a semente da mulher, Jesus Cristo, tinha que sofrer foi absoluta e irrestrita no sentido que a plenitude da ira de Deus Yahweh foi colocada sobre ele. Ela foi mitigada no sentido em que a maldição não trouxe uma separação completa, permanente e absoluta entre Deus Yahweh e Jesus. Sendo ele mesmo Deus, Cristo, tendo sido completamente desamparado por Deus Pai e separado dele, tinha o poder de
sofrer a maldição, vencê-la, e sustentar a vida e o amor do pacto que Deus Yahweh havia estabelecido.
Deus Yahweh se dirigiu a Eva diretamente; o termo "maldição" não é usado; não porque ela seria poupada das consequências do seu pecado, mas porque ela, sendo a portadora da semente, sofreria eseb (dor) enquanto cumprisse seu privilégio e responsabilidade de ser mãe. Deve-se notar o infinitivo absoluto hiphil, precedendo a forma imperfeita do verto rabâh (ser muito, ou grandemente) que dá a tradução correta de "aumentar grande ou excessivamente a dor". Comentaristas têm chamado a atenção ao fato de que o parto falado no texto poderia muito bem incluir mais do que é experimentado na gravidez e na atividade efetiva do nascimento. De fato, pode, e neste contexto (cf. o assassinato de Abel por Caim) deverá ser considerado como incluindo todo o processo de educação dos filhos. Uma experiência pungente desta dor aumentada foi a porção de Maria quando viu seu filho crucificado (Jo 19.25,26).
Eva, juntamente com a maldição mitigada, recebeu uma repreensão. Ela havia sucumbido ao tentador e, então, dando do fruto proibido a Adão, conduziu-o à transgressão juntamente com ela. Ela não havia servido como uma auxiliadora apropriada para ele (Gn 2.18). Antes, havia exercitado a prerrogativa que não era dela, mas de seu marido. Em consequência, é dito a ela claramente que, do modo como ela tinha sido feita, ela deveria continuar a ser e operar. Ela deveria reconhecer e se submeter a seu marido, que teria que assumir um papel responsável de liderança. A repreensão não colocou uma maldição sobre ela; antes, informou-a claramente daquilo que tinha sido e deveria continuar a ser sua atitude para com seu marido.
Deus Yahweh prosseguiu então, conversando com Adão. Primeiro, foi declarada a razão para a maldição de Yahweh com relação a Adão: kî sama ta leqôl 'iseteka (porque “atendeste a vozde tua mulher”). Uma repreensão é inferida, a qual é particularmente óbvia porque Yahweh acrescentou, "eu te ordenara que não comesses” dela (Gn 3.17). Adão não ouviu nem obedeceu a seu Senhor: ele havia seguido sua esposa desviada. Mas Adão recebeu mais do que uma repreensão. A ele, a quem havia sido dado o domínio sobre o cosmos, um mandato para mantê-lo e cultivá-lo e dele receber o alimento para o sustento da vida física, foi dito que a maldição de Yahweh estava sobre há ádamâh (o solo, ou a terra) por causa do que ele, Adão, havia feito. O local de trabalho do co-trabalhador real de Yahweh se tornaria, doravante, um lugar de trabalho difícil, de atividade desagradável e de resistência a seus esforços. Seu trabalho não seria uma maldição; sofrimento e fustração no seu trabalho, sim. Vários termos têm sido usados para descrever o que Yahweh disse: labuta dolorosa, suor, espinhos e cardos (em lugar da planta da vida apropriada para alimento), e um retorno ao pó, i.e., a morte física e a deterioração do corpo. Debaixo desta maldição sobre o solo, Adão não deveria esperar uma resposta pronta a seus esforços. Sua existência física temporária continuada deveria depender de uma terra hostil e refratária. Mas, essa maldição sobre o solo deve ser considerada como mitigada, pois Adão não seria separado completa e imediatamente do seu lugar de trabalho e fonte de sustento. Ambos, ele e o solo continuariam juntos, mas nessa proximidade existiria muito desapontamento, frustração, dor e destruição.
As Escrituras nos informam que o próprio cosmos criado reagiria com dor e gemidos à maldição (Rm 8.22). Também, enfatiza que as pessoas experimentariam evidências trágicas da maldição, particularmente quando quebrassem o pacto com Yahweh; Moisés avisou que, no curso da histór ia, a maldição seria executada em formas de secas, penúria e doenças (Dt 28.15-24). A maldição pactual sobre o cosmos seria bastante mitigada se o modo de vida fosse o da manutenção do pacto; no entanto, somente o mantenedor perfeito do pacto, o próprio Mediador do pacto, seria capaz de remover completamente a razão e todas as evidências da maldição que Deus Yahweh pronunciou sobre Adão e sobre o cosmos colocado sob sua responsabilidade. Considerando que a maldição que Deus Yahweh proferiu a Adão não recairia diretamente sobre ele, foi pronunciada sobre o filho de Adão, Caim.
Deus Yahweh abordou Caim inicialmente quando este estava muito aborrecido (Gn 4.6). Mas Caim manifestou o crescimento do pecado; em ira e ciúme, ele assassinou seu irmão. Então, Yahweh veio a Caim novamente e pronunciou uma maldição sobre ele: we attâh arûr min ha adamâh (e agora amaldiçoado seja você sobre a terra) (Gn 4.11). Caim, o assassino, tinha feito o solo absorver o sangue de seu irmão. A maldição de Caim não foi mitigada. O sol o encharcado com sangue não seria seu lar nem seu lugar seguro de trabalho. Ele foi desalojado dele (NIV) porque, mesmo que ele tentasse cultivá-lo, não receberia a recompensa do cultivador; o solo não produziria para ele. A maldição de Caim foi ser repelido; ele seria um errante pela terra. O texto nos diz, no entanto, que Caim se casou, gerou filhos e construiu uma cidade (Gn 4.17). Esta primeira cidade não deve ser vista como evidência de desafio à maldição de Deus Yahweh sobre Caim. Antes, como Meredith Kline explicou, a cidade é uma figura do desenvolvimento da cultura mundial. A cidade, portanto, não é para ser vista como uma invenção de homens ímpios. A cidade de Caim, entretanto, representa a cidade explorada pela humanidade pecaminosa e, deste modo,se torna uma "manifestação altaneira da revolta do homem contra Deus".
Resumindo nossa discussão sobre as maldições que Deus Yahweh pronunciou quando Adão, Eva e Caim o desobedeceram, podemos dizer que Deus deu uma sentença de morte para Satanás, a mulher, o homem e o filho. A morte deve ser entendida no sentido de ser colocado sob a ira de Yahweh contra o pecado; a morte representava graus de separação da fonte da vida e das bênçãos enriquecedoras; a morte representava eventualmente a separação final e total de Deus Yahweh. Esta morte, i.e., a separação e sua destruição resultante, é a sentença que Deus Yahweh, o Senhor soberano, pronunciou como Juiz. Esta sentença de julgamento seria sobre todo o cosmos e seus habitantes até que a pena completa exigida para a remoção do julgamento fosse paga.
Na discussão precedente, das maldições que Yahweh pronunciou, nós nos referimos ao fato de que algumas destas foram mitigadas. A mitigação pode ser entendida baseada no Deus Yahweh ter dado garantias de continuidade. O cosmos não cessaria de existir, nem seria permitido a Satanás assumir controle total e absoluto sobre ele. Adão e Eva não seriam colocados de lado imediatamente. Eles foram desalojados do seu palácio e pátio reais (Gn 3.23), mas como marido e mulher, continuaram no seu relacionamento matrimonial e foram capacitados a gerarem descendência. A Adão foi garantido que ele continuaria, por um tempo, a cultivar a terra, mesmo com sofrimento, suor e desapontamento. Caim, sob sua maldição, foi expulso, mas recebeu proteção de seus parentes que procurassem vingança (Gn 4.15). Ele foi capacitado a expressar seu potencial, como um portador da imagem, com a construção de uma cidade. O potencial para procriação não foi tirado dele (Gn 4.17).
As garantias da continuidade devem ser consideradas cuidadosamente porque nelas Deus Yahweh revelou algumas realidades importantes. Yahweh manteve seu reino cósmico; portanto, continuaria. Satanás continuaria a estar presente, sempre buscando ampliar a extensão e influência do seu reino parasita. Mas, faria isto dentro dos parâmetros que Deus determinava para ele e suas atividades. O salmista reconheceu a continuação do reino cósmico de Deus Yahweh e seu reinado soberano sobre ele quando cantou: Reina o Senhor. Revestiu-se de majestade; de poder se revestiu o Senhor, e se cingiu (RA). Firmou o mundo que não vacila (Sl 93). E ele continuou louvando Yahweh como o grande Deus, o Rei sobre tudo, em cujas mãos estão as profundezas da terra, a quem pertencem os picos das montanhas, o mar e aterra seca (Sl 95.3-4).
Salomão, em sua oração, quando o templo foi dedicado, pediu que o Senhor soberano continuasse a reinar do céu e a controlar todas as forças da natureza (1 Re 8.23-53). Isaías assegurou que Yahweh poderia ser, e seria um Deus redentor e restaurador, porque Ele é o que "está assentado sobre a redondeza da terra” (Is 40.22). Visto que o reino cósmico iria continuar, foram assegurados o palco e o meio ambiente para a continuidade do pacto de Yahweh com sua criação e seus vice-gerentes.
Deus Yahweh proporcionou os meios para a continuidade da comunhão com seus portadores de imagem. Ele providenciou a restauração disto enunciando sua mensagem de esperança, o protoevangelho. Ele fez continuar o mandato cultural; isto evidenciou claramente que o status real de seus portadores de imagem não estava perdido para sempre. Ele continuou o mandato social assegurando a Adão e Eva que a semente da mulher seria vitoriosa. De fato, a semente viria, ainda que com sofrimento e dor.A realidade a ser enfatizada é que as maldições pronunciadas por Deus Yahweh não apagavam, não removiam, nem anulavam seu propósito criador. Ele manteve seu reino; Yahweh manteve seu relacionamento soberano com seu reino cósmico. Ele manteve seu relacionamento de vida e amor - i.e., seu pacto -com Adão e Eva. Ele continuou os mandatos que lhes havia dado. Não se pode negar que o pecado e as maldições pronunciadas introduziram mudanças. Estas, no entanto, não alteraram as questões fundamentais do reino de Yahweh, sua intenção, e o programa básico para realizá-los.
A alteração mais penetrante e fundamental que Deus Yahweh introduziu foi sua intenção e método para redimir e restaurar seu reino cósmico dos efeitos das maldições e das misérias que o pecado introduziu e da presença e influência do reino parasita de Satanás. Esta “alteração” que Deus Yahweh revelou não era outra senão o pacto da graça, o qual estaria presente e funcionaria dentro dos parâmetros do pacto da criação. Este pacto da graça tornou-se o que pode ser chamado de segundo cordão do relacionamento de amor\/vida de Yahweh com seus vice gerentes e o reino cósmico. Este cordão iria permear, entrelaçar, restaurar, fortificar, eventualmente, aperfeiçoar e, consequentemente, trazer à consumação completa o que Deus Yahweh pretendeu e iniciou na sua obra criadora.
Um ponto merece repetição: Caim, o assassino, o banido, também seria assegurado da vida contínua com atividades. Deus Yahweh providenciou proteção para ele e deu-lhe condições de evitar uma catástrofe que lhe tirasse a vida (Gn 4.15-16). A continuidade do mandato cultural e social de Yahweh para Caim é declarada definitivamente. Caim se casou, teve filhos e eles, por sua vez, se tornaram uma parte integral da sociedade humana (Gn 4.17). Ele e seus descendentes demonstraram sua habilidade em realizar o mandato cultural através da construção de cidades, da criação de gado, tornando-se metalúrgicos e músicos (Gn 4.17; 20-22).
Desse modo, embora Caim e sua descendência imediata não tenham sido assegurados de serem beneficiários plenos do pacto da graça, foram afetados por ele, pelo próprio fato de continuarem a exercer os privilégios e tarefas do pacto da criação. O protoevangelho não caiu em ouvidos surdos quando Yahweh primeiramente o proclamou. Primeiro, deve ser notado que nem Satanás\/serpente nem Adão e Eva responderam diretamente às maldições que Deus pronunciou. Mas Adão se regozijou em resposta à garantia de que a morte, conforme tinha sido declarada como resultado do comer, não seria a sua condição final. Em verdade, ele e Eva iriam morrer fisicamente; “tu és pó e ao pó tornarás” (Gn 3.19 RA). Mas as Escrituras registram que Adão, através do fato de dar nome à esposa pela segunda vez, respondeu à promessa da semente, vida, amor, vitória.
Ele chamou sua esposa de hawwâ, que quer dizer “vida” (Gn 3.20). Adão, então, acrescentou a frase “porque ela é a mãe de kal hay (toda vida ou viventes). Adão, dando à sua esposa um segundo nome, não removeu o seu primeiro nome; ela permaneceu mulher. Mas, exercitando seu papel de liderança, no dar sua resposta em fé à promessa de Yahweh de continuação de vida, Adão deu um nome pessoal à sua esposa. Este nome seria uma lembrança constante de que “o retorno ao pó” não seria a questão ou estado final para toda a humanidade. Adão ouviu e acreditou que a maldição da morte seria desfeita pela geração da vida através da mulher.
Eva seguiu seu marido no fazer uma resposta aprovada e de fé à proclamação de Yahweh do protoevangelho (Gn 4.1). Quando seu primeiro filho nasceu, ela disse que havia recebido um varão com a ajuda de Yahweh. Desse modo, Eva respondeu a Yahweh e fez sua própria declaração de fé em resposta à promessa de uma semente vitoriosa. O marido Adão e a esposa Eva se uniram na sua resposta e na fé nas promessas de Yahweh de redimir e restaurar o que eles haviam corrompido e na situação na qual haviam introduzido a perdição.
Os primeiros dois filhos de Adão e Eva não deram respostas semelhantes. Abel, o segundo, pode ser julgado como tendo se unido a seus pais na aceitação das promessas de Yahweh. Ele ofereceu um sacrifício que foi agradável a Yahweh (Gn 4.4). À vista do que a revelação posterior nos informa, a respeito de sacrifícios (cf. Lv 1.3, 10; 3.1, 6.16c), pode se admitir que Abel, através do seu sacrifício, deu expressão à sua consciência da necessidade pela intervenção de Yahweh na sua vida pecaminosa e expressou sua gratidão oferecendo “as porções de gordura de alguns dos primogênitos do seu rebanho” (NIV).
O Novo Testamento nos informa que Abel foi motivado pela fé (Hb 11.4). O sacrifício dos produtos do solo de Caim não foi aceitável a Yahweh. A resposta de Caim à rejeição deu evidências de sua falta de submissão e fé em Yahweh (Gn 4.5). O assassinato de Abel por Caim indicou que este, conscientemente ou não, estava sob a influência de Satanás, que é citado como o “homicida desde o princípio”. Jesus poderia muito bem ter em mente o assassinato de Abel por Caim, quando falou desse modo sobre Satanás (Jo 8.44). Quando Yahweh disse a Caim que ele estava sob uma maldição (Gn 4.11 RA) e seria banido, a resposta de Caim foi de auto piedade. Não houve sinais de arrependimento, apelo por perdão ou expressões de fé nas promessas de Yahweh em trazer redenção e restauração.
A Revelação das Virtudes de Yahweh
No estudo que acabamos de fazer desse texto, ficou evidente que Deus Yahweh revelou certas características de si mesmo às quais não tinha sido dada expressão clara e definida antes do pecado de Adão e Eva. Lembremo-nos que, conforme explicado no cap.1, a majestade, soberania, infinidade, santidade, onipotência, liberdade, sabedoria, bondade e amor de Deus Yahweh foram revelados na sua obra e produto criadores. A referência agora é à sedeq/sedaqâh de Yahweh (integridade), à mispat(justiça), à hesed (misericórdia), e à hen (graça). Assim como o termo berît (pacto) não é encontrado em Gn 1-4, estes quatro termos também não estão presentes lá. Mas os conceitos, com certeza, estão ali revelados. Yahweh, ao pronunciar as maldições, ao fazer suas promessas de redenção e restauração e, assim assegurar a Adão e Eva sua intenção de manter seu reino cósmico, de preservar seus relacionamentos pactuais, de providenciar a continuidade da vida e dar vitória aos que estão sob a maldição da morte, revelou virtudes que revelações posteriores identificaram pelos termos específicos mencionados acima. Uma discussão detalhada destes conceitos não será feita. Os conceitos serão citados e discutidos em profundidade nas discussões subsequentes.
Mas é necessário citá-los brevemente neste contexto, por várias razões.
Yahweh os revelou no tratar com Satanás e com a humanidade pecadora desde quando o pecado entrou no mundo. A revelação está lá; devemos reconhecê-la.
Yahweh deve ser compreendido como agindo e lidando de acordo com sua natureza como Deus Yahweh. Ele foi motivado a fazer o que fez porque ele é o que é: íntegro, justo, misericordioso e gracioso.
As virtudes de Yahweh, conforme reveladas através do que ele prometeu e fez, ajudam seu povo crente a entender de forma mais completa o que Yahweh pretendeu e, realmente introduziu no decurso da história após a entrada da rebelião e do pecado.
Os conceitos de integridade e justiça serão considerados primeiramente. Tendo feito isso, a hesed e a hen de Yahweh podem ser entendidos mais claramente e apreciados mais completamente. Sempre que alguém introduz uma discussão do conceito sedeq/sedaqâh, entra em uma área judicial. Isto é, pensar em integridade, retidão, é trazer à mente o conceito de lei, vontade de Deus, suas normas ou padrões revelados, o papel destes e o relacionamento inerentemente envolvido neles, e as questões que podem surgir quando se trata deles. Em Gênesis 1 e 2, Deus Yahweh revelou sua vontade para a humanidade. Os homens receberam três mandatos, o cultural, o social e o espiritual (cf.cap. 3 acima). Os deveres destes mandatos foram explicados em palavras breves, mas específicas. Por exemplo, o homem deveria se apegar à sua esposa; juntos, eles deveriam ser uma só carne; eles deveriam obedecer a Deus no seu cultivo e uso do cosmos; deveriam exercer autoridade sobre o mundo animal (Gn 2.19); eles foram estritamente proibidos de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Adão e Eva foram avisados das consequências da possível desobediência, “certamente morrerás” (Gn 2.17).
Pode-se dizer, sem medo de contradição, que Adão e Eva sabiam qual era a vontade de Deus para eles. Eles haviam recebido instruções para sua vida e serviço; estas podem ser consideradas como sendo normas, padrões ou regulamentos - resumindo, a lei de Deus Yahweh para eles.
Adão e Eva desobedeceram a lei de Deus Yahweh. Eles conheciam as consequências disto. Ficaram envergonhados; viviam no próprio jardim onde deveriam ter comunhão e exercer domínio. Eles ficaram com medo; sabiam que mereciam castigo, i.e., mereciam morrer.
Deus Yahweh, naquela situação, mantendo e demonstrando sua sabedoria e santidade, revelou que ele próprio sustentaria sua lei, e falaria e agiria de acordo quando se dirigisse a Satanás e aos pecadores miseráveis e culpados, Adão e Eva. Fazendo isto, ele revelou sua integridade. Ele não ignorou sua vontade revelada. Ele sustentou sua própria lei com relação à humanidade e a Satanás. Fazendo isso, Deus Yahweh revelava que a justiça, a sustentação e aplicação da sua lei, seria uma força integral no seu reino cósmico. Deus Yahweh revelou, desse modo, o que é a justiça e que ele deveria ser reconhecido, honrado e servido como um sustentador e aplicador da lei - isto é, um justo - Deus.
O conceito de mispat (justiça) é intimamente relacionado, e em alguns sentidos, entrelaçado com retidão. O substantivo é derivado da raiz verbal sapat, significando julgar e/ou governar. Robert C. Culver chamou atenção ao fato de sapat ter o sentido primário de exercer ou realizar os processos de governo. Em outras palavras, mispat (justiça) fala de realmente cumprir as exigências e requerimentos da lei. Desse modo, enquanto Deus se revelava como reto, ele também demonstraria a justiça. Ele exigiria e executaria o que a lei requeria, e faria isto em perfeito acordo com o tom e a intenção da lei. Deus não aplicou a lei caprichosamente e com zelo exagerado, nem mostrou parcialidade através de uma aplicação limitada. Ele cumpriu sua vontade revelada; ele executou o que havia avisado que iria acontecer. Adão e Eva morreram espiritualmente; seu relacionamento de vida/amor com Deus Yahweh estava quebrado; eles foram alienados dele.
Demonstraram este relacionamento quebrado e a separação através do reconhecimento da sua nudez, sentindo-se envergonhados, ficando com medo e escondendo-se. E, fisicamente, o processo de retorno ao pó havia começado. Desse modo, Deus revelou sua justiça; ele atuou de acordo com sua própria natureza e vontade revelada (lei) e levou a efeito as consequências da desobediência a essa vontade. A integridade de Deus Yahweh e sua execução da justiça poderia ter significado o fim de Adão e Eva como vice gerentes pactuais. Poderia, também, ter conduzido à retirada completa de Deus Yahweh do seu reino cósmico.
Mas, nenhuma das duas coisas aconteceu Deus Yahweh, como íntegro e justo, pronunciou uma maldição absoluta e final sobre a serpente/Satanás (Gn 3.14-15). Na maldição da serpente/Satanás residiu a esperança para Adão e Eva e o reino cósmico. A maldição de Satanás abriu caminho para uma maldição mitigada (cf. discussão acima sobre Adão, Eva e sobre o cosmos). O poder, domínio e intenção de Satanás recebiam um golpe severo. Ao aplicar este golpe, ou pronunciar e cumprir sua maldição sobre Satanás, tornando inevitáveis sua derrota e rendição, e assim atenuando o poder e a influência de Satanás sobre Adão e Eva e o reino parasita, Deus Yahweh revelou sua bondade e amor para com Adão, Eva e o reino cósmico.
Motivado por sua bondade e amor, Deus Yahweh revelou as dimensões incomparáveis destes (cf. Ef 3.18-20). As Escrituras se referem a estas dimensões como sua hesed e hen. O termo hesed, embora não apareça em Gn 1-4, é usado repetidas vezes em todo o Antigo Testamento. Os estudiosos geralmente concordam que hesed deve ser reconhecido como um termo pactual, isto é, o termo é inseparavelmente relacionado à ideia de berît. Falar da hesed de Yahweh é trazer à mente o pacto de Yahweh com seus portadores de imagem e com seu reino cósmico. Um exemplo clássico da relação de hesed com pacto pode ser encontrado no pacto de Yahweh com Davi (2 Sm 7), o qual é citado como o hasde dawid (misericórdias de Davi) (Is 55.3 heb.). Uma revisão rápida do que os escritores de enciclopédias e dicionários bíblicos têm escrito informará a qualquer leitor que termos como fidelidade pactual, constância, benignidade, bem como amor e misericórdia são usados, frequentemente dependendo dos seus contextos, na tradução do termo hesed. Ainda mais, um estudo do termo em vários contextos irá revelar que hesed é considerada como sendo uma fonte de origem ou motivação para o perdão (Sl 51.3), libertação (Sl 57.4 heb.; MT 77.8,9), proteção (Gn 19.19; Sl 23.6), força para perseverança (Sl 59.16,17) e a remoção de inimigos (Sl 59.6 heb.; MT, 143.2).
Uma consideração de hesed em relação ao pronunciamento de Deus Yahweh - o protoevangelho incluindo sua verbalização de várias maldições - não deverá surpreender. O salmista cantou da hesed de Yahweh em muitos contextos. O salmo 136, particularmente, é uma canção que exalta a hesed (traduzida por amor, NIV, NEB; misericórdia, KJV, ARV; amor inabalável, RSV; bondade, Goodspeed; amor pactual, Berkeley) como revelado em sua bondade (vs. 1), majestade (vs. 3), grandes maravilhas (vs. 4), sabedoria como demonstrado (vss. 5-9), e na sua redenção, preservação e cumprimento das promessas na doação da terra prometida (vs. 21-22). Estas realidades que o salmista cantou são todas aspectos integrais das atividades pactuais de Deus Yahweh. Resumindo, como um Deus pactual, Deus Yahweh revela sua hesed de várias maneiras. Na verdade, o manter e restaurar dos relacionamentos pactuais com seus vice-gerentes pecadores foi, num sentido real, motivado pela sua hesed. Deus Yahweh lembrou-se do seu pacto da criação e, particularmente, de seu vínculo pactual de amor e vida com Adão e Eva.
A revelação da hesed de Deus Yahweh pode ser vista na sua bondade e compaixão para com o homem e mulher envergonhados, escondidos, temerosos. Ele veio, procurou-os (Gn 3.8-9). Sua fidelidade a seu pacto da criação é revelada quando ele inventa uma maneira de Adão e Eva serem remidos, restaurados e libertos da maldição da morte que estava sobre eles. O amor pactual de Yahweh é demonstrado quando ele lhes assegura o cultivo contínuo do solo e a produção da semente e, desse modo, o ser frutífero e encher a terra. Até Caim experimentou a hesed de Yahweh quando foi advertido a respeito da sua ira (Gn 4.6-8) e quando Yahweh deu consideração a sua reclamação sobre o castigo pesado (Gn 4.13-17). De fato, se Deus Yahweh pronunciava seus julgamentos íntegros e justos, ao mesmo tempo ele revelava que, como um Senhor pactual, ele exercitava compaixão, bondade, misericórdia, fidelidade, lealdade, sim, seu amor pactual inabalável em relação aos seres humanos pecadores que se sentiam tão infelizes no desconsolo trazido sobre eles pela sua desobediência - o pecado.
Finalmente, devemos considerar também a revelação da hen (graça) de Deus Yahweh. O termo em si não aparece em Gênesis 1-4. Ocorre em Gênesis 6.8 onde se diz que Noé achou hen aos olhos de Yahweh. Além de graça, o termo mercê ou favor é usado frequentemente para traduzir hen (cf., por exemplo, Gn 18.3 KJV, NIV, Nm 11.15 KJV, NIV). Tem sido salientado que o termo hen, frequentemente encontrado em “contextos não teológicos” (cf., e.g., Gn 33.10; Ex 3.21; Et 2.15, 5.2), possui a mesma nuança que o termo teológico, em que o foco de atenção está na pessoa que recebe, em vez de no doador. Isso significa que o receptor basicamente não oferece nenhum motivo para estar recebendo, ou não merece receber, o que é pedido ou dado sem que seja solicitado (cf. e.g., Gn 18.3; 33.8; Ex. 33.12; Nm 32.5; 1 Sm 1.18).
A ideia de hen, assim como hesed, é intimamente relacionada à atividade pactual de Yahweh com seu povo. Embora a frase “pacto da graça” não ocorra nas Escrituras, é usada por estudantes bíblicos e estudiosos com frequência para se referirem ao pacto que Yahweh faz com a humanidade pecaminosa tendo em mente sua redenção. Mas, conforme será visto, hen nem sempre resulta em redenção.
Uma consideração da forma adjetiva hannûn vai elucidar o significado bíblico de hen. Nas treze vezes em que o adjetivo aparece, ele se refere a uma virtude de Deus Yahweh, i.e., Yahweh é gracioso (Ex 22.27 [26 MT]; Ex 34.6; 2 Cr 30.9;Ne 9.17, 31; Sl 86.15; 103.8; 111.4; 112.4; 116.5; 145.8; Jl 2.13; Jn 4.2). Ex 34.6 é uma passagem clássica (repetida em Sl 103.8; Jl 2.13). Israel tinha adorado o bezerro de ouro; eles haviam perdido todo o direito de ser considerado o povo pactual de Yahweh. Moisés intercedeu e Yahweh o ouviu porque Yahweh era tanto misericordioso como gracioso. Yahweh não realizou o castigo ameaçado (Ex 32.34). Lembrou-se de seu vínculo pactual de amor/vida com eles. Ele perdoou o povo (embora eles tenham sido atingidos por uma praga Ex 32.35), foi compassivo, tardio em irar-se, abundante em amor e paciente em manter o amor.
Yahweh fez com que o povo não merecedor, corrupto e culpado se tornasse receptor do seu amor pactual. Desse modo, quando se diz que Yahweh é gracioso, ele concede ao culpado graça, i.e., amor imerecido para com o culpado. A ênfase deve ser colocada no conceito “culpado” como qualificando o “não merecedor” e “não meritório”. Yahweh revelou que, em seu amor soberano e puro prazer, ele foi gracioso quando lidou com Adão, Eva e Caim. Todos eles mereceram castigo, i.e., morte, fim da vida física e separação de Deus; eles eram culpados porque todos estavam em estado de total falta de merecimento. Mas nenhum dos três recebeu punição imediatamente. Na verdade, a graça de Yahweh não resultou nos mesmos efeitos para as três pessoas. Os culpados e não merecedores Adão e Eva foram colocados sob uma maldição mitigada, e Deus prometeu que ela seria removida através do ferir da semente da mulher. A resposta de fé de Adão e Eva levou a uma execução completa desta promessa de livramento contínuo e vitorioso da culpa e das maldições pronunciadas. Para Adão e Eva, a graça de Yahweh efetivou a redenção e vitória completa. Para eles, os culpados, Yahweh revelou e demonstrou graça salvadora.
A situação para Caim foi bem diferente. Como assassino, ele era culpado, merecedor da força e impacto totais da maldição. Mas foi-lhe dada uma suspensão temporária da pena; Mais, foi-lhe dada proteção divina. Ele também recebeu tempo e oportunidade de participar no mandato social; i.e., ele se casou e teve filhos. E ainda, ele foi ativo em realizar o mandato cultural, pois construiu uma cidade, seus descendentes se tornaram criadores de gado, metalúrgicos e músicos. Eles puderam fazer isto porque ahweh era favorável a eles. Yahweh demonstrou, no mínimo, um grau de bondade, compaixão, amor e misericórdia para com Caim e seus descendentes. Consequentemente,eles por certo receberam a oportunidade de se arrepender e se unir a seus pais (e avós) pela sua resposta com fé às evidências da benevolência de Yahweh para eles.
Há outro ponto importante. Pelo fato de Adão e Eva serem vice gerentes com Yahweh e receberem status régio e autoridade real sobre o cosmos criado, este cosmos também ficou soba maldição. Yahweh amaldiçoou o solo (Gn 3.17) e colocou uma maldição sobre a capacidade reprodutiva das mulheres. Mas, novamente, estas maldições foram mitigadas. A realidade criada, o cosmos, continuaria a existir e as pessoas continuariam a se multiplicar. O cosmos, no entanto, iria gemer sob esta maldição mitigada até que esta fosse removida completamente (Rm 8.20-22).
Teólogos têm se referido à atitude de Yahweh e ações resultantes com relação aos culpados e amaldiçoados através da frase “graça comum”. Meredith Kline escreveu que assim como a maldição foi aplicada em comum, i.e., na generalidade da humanidade e do cosmos, assim existiu a “graça comum”. Ele mostrou que o homem não foi deixado completamente sob o poder do pecado; ele não foi banido para a escuridão externa. O sol não foi escurecido; a terra não foi consumada. As bênçãos temporais ainda ficaram disponíveis a todos; nenhuma delas era merecida, mas foram recebidas e apreciadas “só pela graça do Criador”. “A graça comum provê benefícios ao justo e ao injusto em comum”. Se é ou não correto usar o termo “graça” para se referir à retenção da aplicação total da maldição por Deus Yahweh, é uma realidade indiscutível que Deus Yahweh, tendo pronunciado uma maldição absoluta sobre Satanás e sua semente e uma maldição mitigada sobre Adão, Eva e o cosmos, não as executou totalmente, imediatamente e finalmente.
E esta verdade é básica para o entendimento da história -i.e., a revelação do plano abrangente para a humanidade, para o cosmos, assim como para o mundo angélico rebelde e todos os seguidores humanos de Satanás. Deus Yahweh determinou que ele realizaria sua vontade para a humanidade e o cosmos de acordo com seu plano redentor e que realizaria completamente seus propósitos do reino na “plenitude do tempo” por ele determinado. Em outras palavras, o pacto da criação não seria revogado; o pacto redentor seria o meio que Deus Yahweh usaria para completá-lo e realizá-lo totalmente.
Ter esse pacto redentor funcionando na história, progressivamente, organicamente se revelando no tempo, seria um processo demorado. Durante este tempo determinado, enquanto a integridade e a justiça seriam continuamente reveladas e executadas, hesed (misericórdia) e hen (graça) funcionariam de uma forma completa, rica e salvadora para os crentes. Existiriam também os benefícios dos méritos de Deus Yahweh em ação para os incrédulos. Segundo a integridade e justiça de Deus Yahweh, receberiam, eventualmente, a administração total da maldição, mas até então, receberiam os benefícios da sua misericórdia e graça. Esses benefícios não incluiriam a redenção; incluiriam o bem-estar temporal, a provisão para a vida diária, a participação nos mandatos social e cultural e as vantagens dessa participação.
A Necessidade da Revelação
É apropriado, a esta altura, enfatizar novamente que Deus Yahweh se revelou como um Deus íntegro, justo, misericordioso e gracioso. Verdade que os termos não aparecem em Gênesis 3-4. Mas naquilo que Deus Yahweh disse e fez, ele revelou estas virtudes. Existem várias razões para se enfatizar a realidade da revelação de Deus Yahweh.
Primeiramente, Adão e Eva e sua descendência, como criaturas finitas embora fossem portadores da imagem do seu Criador, não tinham capacidade nem meios para conhecer Deus Yahweh pessoalmente sem que essas virtudes lhes fossem reveladas. Adão e Eva precisavam da comunhão com seu Criador a fim de conhecê-lo, entender sua vontade e compreender, até certo ponto, a natureza e a motivação de seu Senhor pactual.
Segundo, uma vez que Adão, Eva e sua descendência estavam sob a influência de seu pecado, suas mentes obscurecidas, suas vontades e desejos corrompidos e suas emoções confusas faziam com que o conhecimento de Deus Yahweh se tornasse ainda mais impossível. Pessoas pecadoras precisavam e ainda precisam terrivelmente de uma revelação verbalizada, que vem de Deus Yahweh por quaisquer meios que ele escolher. Portanto, Adão e Eva nunca teriam sabido da maldição sobre Satanás, da maldição mitigada sobre eles mesmos e sobre seus aspectos sociais e cósmicos de existência, se estes não lhes tivessem sido comunicados.
Sem dúvida eles as teriam experimentado mas não teriam entendido ou compreendido precisamente o que Deus Yahweh estava planejando e fazendo. A revelação do plano da redenção foi especialmente importante. Sem a revelação, Adão e Eva não saberiam da vitória assegurada da semente da mulher. Nem Caim saberia que, como um homem banido, receberia um sinal que o asseguraria da proteção divina contra os vingadores.
Terceiro, Adão e Eva requeriam revelação por causa da sua situação e meio ambiente alterados. Antes do seu pecado de incredulidade e rebelião, Deus Yahweh comungava com eles (Gn 3.8). Isto foi, indubitavelmente, para beneficiar Adão e Eva enquanto eles encaravam os desafios dos mandatos espiritual, social e cultural. Mas, depois de terem abandonado a vontade de Deus Yahweh para eles, depois que a percepção da sua nudez e vergonha os motivou a terem medo do seu Criador, e depois que foram expulsos do jardim do Éden, tão hospitaleiro, confortável, cooperante e doador de vida (Gn 3.24), eles se acharam terrivelmente necessitados da comunhão e comunicação de Deus Yahweh. De fato, uma vez que estavam no ambiente cósmico duro e hostil que gemia sob a maldição, ainda que mitigada, não podiam viver e trabalhar com coragem, força e esperança. Caim, falto de arrependimento e banido, indicou que precisava de Deus quando clamou em auto piedade (Gn 4.13, 14); Deus Yahweh mostrou misericórdia, até certo ponto, e graça limitada para com ele. As situações e ambientes mudados certamente faziam com que fosse uma necessidade a revelação de Deus Yahweh se seus portadores de imagem tinham que viver e funcionar mesmo que em grau bem mais limitado do que foi pretendido para eles quando criados, colocados no Éden e recebendo suas incumbências.
A revelação era uma necessidade, como já enfatizei acima. Uma razão para esta minha ênfase é que vários estudiosos ou não levam em consideração ou então negam que Deus Yahweh, de fato, tenha se revelado em palavras e fatos associados. Poucos exemplos serão suficientes. Gerhard Von Rad, depois de apresentar seu discernimento exegético útil sobre Gn 3, conclui sua discussão sugerindo que, escrevendo no período iluminado salomônico, o editor desta passagem se baseou em mitos antigos que já tinham sido refinados no caminho até chegarem a ele via tradições produzidas muitos séculos antes. Depois do desenvolvimento das tradições através de muitas gerações, declarações de fé “foram feitas do ponto de vista do homem caído”. Von Rad continuou dizendo que a questão principal de toda a narrativa era apresentar uma teodiceia na qual Deus foi desobrigado do sofrimento e miséria do mundo.
Desse modo, no conceito de Von Rad, Gênesis 3 e 4 não é revelação divina comunicada a povo pecador, e sim, produto de um editor que peneirou mitos originais que depois de muitas gerações e séculos se tornaram declarações de fé. Walther Eichrodt expressou uma visão similar. Como yahwista, eventualmente ele foi capaz de falar de um ponto crucial quando a história da humanidade tornou-se uma história do pecado. Eichrodt escreveu reservadamente; ele não desejava dar a impressão de que não existiram “eventos de fato” nos períodos primitivos (os quais estão além do alcance da ciência histórica). Seu ponto principal, no entanto, é que Gn 3 contém um mito etiológico que, no curso do desenvolvimento da tradição, veio a ser a declaração central da entrada do pecado e a consequente resposta da humanidade.
As diferenças no entendimento da origem dos relatos dos pecados de Adão, Eva e Caim e as respostas de Deus Yahweh a estes devem ser entendidas claramente. O relato bíblico declara que o conhecimento do pecado, suas consequências e a resposta de Deus Yahweh a ele é revelado por Deus a pecadores. Os escritores citados acima consideram que os relatos são expressões da mente humana desenvolvidas por gerações de pessoas religiosas através de muitos séculos e, eventualmente, registradas como declaraçõe de fé.
O estabelecimento da Antítese
É da maior importância perceber que Deus Yahweh, ao revelar sua retidão, justiça, misericórdia e graça quando pronunciou as maldições e a realidade e método de livramento delas e quando revelou universalmente a misericórdia e graça, i.e., graça comum, não parou por ai. Através da graça comum, Deus Yahweh providenciou um palco no qual Adão e Eva e sua semente crente poderiam e puderam viver e funcionar no cosmos junto com a semente de Satanás em várias formas de cooperação, (e.g., na lavoura, tecnologia), sendo estes os rebeldes e incrédulos, inicialmente representados por Caim. Deus Yahweh não criou um cosmos separado para crentes, nem dividiu o cosmos geograficamente ou materialmente em duas metades distintas. A realidade é que Deus Yahweh estabeleceu dentro do cosmos, entre a semente de Satanás e a semente da mulher,uma linha divisória, um tremendo abismo que separaria as duas sementes. Essa linha divisória tem sido e deverá continuar a ser chamada a antítese.
A ideia básica expressa no termo “antítese”, que tem origem grega, é de oposição. Rinck Kuiper escreveu que a Bíblia fala de várias oposições similares: entre Cristo e o anticristo, entre a igreja e o mundo, e entre os regenerados e os não regenerados. O conceito bíblico implica em dois (ou mais) grupos que se colocam em oposição um ao outro sendo que não existe possibilidade de trégua entre eles uma vez que são absolutamente contrários, assim como a luz e as trevas e o bem e o mal.
A passagem bíblica que primeiro nos apresenta a antítese é Gn 3.14,15. Os estudiosos bíblicos não são totalmente concordes em que esta perícope ensina uma antítese absoluta. Alguns falam desta passagem como um mito etiológico por um narrador, o qual “dá uma explicação para enigmas e necessidades perturbadores” da vida. Cassuto vê a perícope como uma parábola a respeito do princípio do mal. Wenham declara que a história é “não só uma etiologia, uma história como lenda explicando porque cobras são tão desagradáveis”. Ele acha que a serpente “simboliza o pecado, a morte e o poder do mal” e, consequentemente, é bem provável que uma longa luta entre o bem e o mal esteja sendo considerada.
Aalders, como a maioria dos estudiosos conservadores evangélicos, crê que atrás da serpente haja outra, chamada Satanás, e que uma luta de longa duração entre Satanás, seus anjos e seguidores humanos de um lado e a semente da mulher, que chega a uma realização pessoal total no Messias do outro lado, esteja sendo afirmada. A luta amarga terminará com vitória para a semente da mulher, i.e., para o Messias, e para os regenerados que têm fé nele, que obedecem e servem a Yahweh, seu Senhor.O termo bíblico que está à base do conceito antítese é eybâh (inimizade, antagonismo).
Helmer Ringgren, dissertando sobre ayab, escreveu que em literatura ugarítica, assim como mesopotâmica, o verbo e os substantivos derivados se referem ao ser hostil, inimigo, adversário com o sentido de mal presente. No Antigo Testamento o verbo e o substantivo indicam inimigos com intenção hostil (Ex 23.22, 1 Sm 18.29; Nm35.21; 1 Re 21.20; Ez 25.15). O texto bíblico é claro em dizer que é o próprio Deus Yahweh quem coloca esta inimizade entre as duas sementes. Foi Yahweh quem os separou; ele é quem os declara adversários. Fazendo assim, Deus Yahweh declarou para Satanás, e Adão e Eva que ele não estava rendendo seus vice gerentes a Satanás que os havia seduzido e guiado para que o seguissem. De fato, é Yahweh quem declarou que a inimizade estaria presente; ele declarou que existiriam lados opostos; ele declarou que a inimizade continuaria até que Satanás e seus seguidores fossem esmagados completamente. Desse modo, embora Satanás tenha iniciado a inimizade, a batalha, a oposição, Deus Yahweh declarou que ele a manteria até que o provocador fosse derrotado na luta. Enquanto a derrota não for completa e acabada, a inimizade, a oposição, a antítese deverá continuar.
A natureza e extensão em que esta inimizade deveria existir e afetar o próprio cosmos, a humanidade, e o mundo angelical vem dando motivos para discussão e desacordo. Há consenso geral em que a antítese é, basicamente, espiritual, isto é, uma oposição entre Deus e Satanás, entre os crentes obedientes, regenerados de um lado e os não regenerados, incrédulos, desobedientes do outro. É basicamente uma luta pelo coração, pelo serviço real, e os benefícios resultantes destes. Deus Yahweh requereu o direito de posse; Satanás também. Ter os corações, a própria pessoa de Adão e Eva, não era somente tê-los como servos, mas também reivindicar o cosmos sobre o qual tinham sido colocados como vice gerentes. Desse modo, reivindicar os vice gerentes era reivindicar o seu domínio. Reivindicar os seres reais era reivindicar suas prerrogativas reais dentro do domínio. Ter domínio espiritual era também ter o domínio cósmico; todos os aspectos do reino cósmico estariam envolvidos na luta quando Deus Yahweh sustentasse, por declaração, a oposição, i.e., a antítese. Como esta antítese espiritual, que não deveria ser estritamente espacial, deveria ou deve ser percebida, tem sido sempre um assunto desafiador sobre o qual tem existido muito desacordo. Na continuação deste estudo, será visto que para Israel, uma vez liberto do Egito e tendo recebido sua herança, a antítese estaria penetrando em todos os aspectos da sua vida.
Resumindo, eu saliento que a inimizade, iniciada por Satanás, foi declarada por Deus Yahweh como existente entre a semente de Satanás e os seguidores de Yahweh. Esta inimizade colocou uma divisão bem definida entre as duas sementes. A oposição de uma para com a outra estaria presente e permaneceria. Citada como sendo a antítese, esta oposição é basicamente espiritual, mas graças ao status, ao papel, e às responsabilidades dadas por Deus à humanidade, iria afetar todos os aspectos do cosmos. A antítese terminará quando Deus Yahweh, através da semente da mulher, esmagar completamente Satanás e sua semente e destruir seu reino parasita. Enquanto isto não for realizado, a antítese deve ser reconhecida e tratada por meios espirituais, mas também em todos os aspectos das atividades sociais e cósmicas. Em outras palavras, a antítese não pode ser evitada enquanto os crentes buscam executar seus mandatos espiritual, social e cósmico. Quando uma consideração séria sobre a antítese é feita, chega-se a perceber que é inevitável refletir sobre os dois reinos. Existe um reino cósmico de Deus Yahweh, estabelecido quando ele criou o universo e colocou Adão e Eva e seus descendentes nele como seus vice-gerentes.
Existe o reino de Satanás. É um reino parasita, mas penetra poderosamente e influencia todos os aspectos das dimensões social e cultural do cosmos. O reino satânico foi concebido e trazido à existência em rebeldia contra Deus Yahweh; a pretensão era fazer oposição ao reino de Deus Yahweh, derrotar este reino em todos os aspectos e reivindicá-lo em sua totalidade. Satanás não vai negociar, fazer concessões, ou se render. Ele é totalmente e absolutamente antagonista por natureza. Mas Deus Yahweh não pode ser removido da sua intenção inicial de manter seu reino cósmico e trazê-lo a uma consumação completa e perfeita. Desse modo, na base e no cerne do que é conhecido como a antítese, está a oposição entre o reino de Deus Yahweh e o reino parasita de Satanás. Tanto Deus Yahweh como Satanás reivindicam lealdade total e buscam exercer domínio completo. O reino de Deus Yahweh, no entanto, foi projetado para ser e será um reino eterno. As intenções de Satanás de ter completo domínio não serão levadas a efeito de modo pleno ou conclusivo. Mas, enquanto Deus Yahweh, de acordo com sua vontade soberana, der ao reino de Satanás tempo e amplitude, este reino estará presente, penetrante e influente. Ele será antagônico em todo o tempo e em todos seus empenhos. Enquanto que seja espiritual a natureza fundamental destes reinos (por serem os “reis” espirituais e sua oposição espiritual), eles não são e não podem ser separados dos domínios e dos seguidores que formam estes reinos. O que torna a antítese difícil de ser entendida é que esta oposição basicamente espiritual não é dividida espacialmente. Isto é, Satanás busca reivindicar para si todas as esferas, aspectos, dimensões, forças e materiais do reino cósmico de Yahweh. A oposição espiritual é com relação a todo o cosmos que Deus Yahweh criou e mantém como seu. Ele, declarando que a inimizade foi colocada e seria mantida entre a semente de Satanás e a semente da mulher, revelou que sua oposição a Satanás não só estava presente mas seria mantida até que a semente da mulher, seu meio, esmagasse finalmente e completamente a Satanás, suas coortes, seguidores e os poderes e influências que eles exercem. Desse modo,a antítese envolve Deus Yahweh, Satanás, todas as pessoas, e todas as dimensões do reino cósmico de Yahweh.
A antítese foi demonstrada cedo, de forma trágica, na experiência de Adão e Eva. Quando foram expulsos do jardim do Éden, eles foram impedidos de reivindicar uma vida vitoriosa imediatamente indo à árvore da vida e comendo dela. Fazer isto deveria ter assegurado a eles, por um ato sacramental, a vida eterna. Se tivessem permanecido no Éden e tivessem a vida assegurada, eles teriam escapado da realidade da antítese. Eles não teriam tido envolvimento adicional na oposição espiritual entre Deus Yahweh e Satanás. Mas, expulsos do jardim, Adão e Eva foram trazidos à arena cósmica onde a luta penetrante entre Deus Yahweh e Satanás deveria ser realizada. E lá, eles seriam envolvidos na batalha e na produção dos meios pelos quais a vitória final seria conquistada. Adão e Eva estariam entrando na arena da batalha porque lá, desde a própria concepção, a semente da mulher deveria ser engajada na luta contra Satanás e sua semente. Na arena da batalha cósmica, não dentro de um Éden protegido, a vitória completa seria alcançada.
Depois que Adão e Eva foram trazidos à arena da batalha cósmica, eles obedeceram ao mandato social. Eles foram frutíferos; tiveram filhos e filhas. O nascimento do primeiro filho deu a Eva a oportunidade de expressar sua aceitação da promessa de vida de Deus Yahweh (Gn 4.1). Esta declaração deveria ser considerada, também, como a declaração de submissão de Eva a Deus Yahweh. Ela, assim como Adão havia feito (Gn 3.20), declarou qual o lado que tomava na oposição. Mas Satanás não concedeu a vitória. Caim, a primeira semente nascida da mulher, foi desafiado a confrontar o fato da antítese. Seu irmão Abel indicou sua submissão a Deus Yahweh através de sua oferta de um sacrifício aceitável (Gn 4.4). Caim, pode se concluir, tentou ignorar a antítese; ou poderá ser dito que ele tentou pôr um pé de cada lado sobre o abismo intransponível envolvido na antítese. Ele, em uma mostra de submissão a Deus Yahweh, trouxe um sacrifício assim como Abel havia feito. Mas seu sacrifício não foi recebido favoravelmente (Gn 4.5). A Escritura é definitiva ao expressar quando e por que Deus rejeita sacrifícios. Os sacrifícios que Davi quisesse oferecer quando, no coração, não estava arrependido não seriam aceitos (Sl 51.16-19; também Is 1.10-17; 66.3; Jr 7.21-23; Os 6.6,7; Am 5.14, 15, 21, 22; Mq 6.6-8; Mt 9.13; 12.7; Fp 4.18). Caim indicou que não estava inclinado a se humilhar diante de Yahweh e confessar sua ira pecaminosa e desalento (Gn 4.6-7). Deus Yahweh não rejeitou a Caim completamente; com a misericórdia e a graça comum, Deus Yahweh lhe falou, advertindo-o da sua condição espiritual. De fato, Deus Yahweh avisou Caim de que ele estaria em oposição a ele se não se arrependesse (Gn 4.7). Caim, no entanto, premeditadamente, convidou Abel a ir com ele ao campo e lá, então, o assassinou (Gn 4.8). Caim deu evidência clara da sua oposição a Deus Yahweh e seu alinhamento com Satanás. Sua ira, abatimento, e assassinato do irmão indicaram que ele estava do lado anti-Deus da antítese. Ele era súdito do reino parasita de Satanás.
A participação de Caim no reino parasita e seu serviço a ele colocaram-no espiritualmente antitético ao reino de Yahweh. Mas ele não foi removido do cosmos. Como discutido acima, a graça comum foi-lhe concedida. Ele, como portador da imagem de Deus Yahweh, ainda era capaz de ser envolvido na realização do mandato social e cultural. Desse modo, ele tinha uma arena comum para os interesses e empreendimentos sociais e culturais com Adão, Eva, Sete e sua descendência. Mas dentro da arena comum, o abismo intransponível existia -de um lado, fé, obediência e adoração a Deus Yahweh e, do outro, a sujeição a Satanás e a conservaçãointencional de um coração pecaminoso. É o momento para os comentários finais. O protoevangelho incluiu a confirmação de Deus Yahweh de que a inimizade dividiria a humanidade e que os grupos opositores dentro da humanidade seriam tão antitéticos um ao outro como Deus Yahweh era a Satanás.
O protoevangelho também incluiu uma declaração definitiva a respeito do envolvimento da humanidade na situação antitética. Receber a graça e a misericórdia salvadoras envolveria receber uma “ferida no calcanhar” à medida que a maldição mitigada sobre Adão, Eva e o solo era executada. E o protoevangelho proclamava a vitória certa da semente da mulher e a continuidade assegurada do reino cósmico de Deus Yahweh, dentro do qual o reino parasita de Satanás existiria e seria ativo. O protoevangelho também implicava aquilo que seria o fator principal no curso assegurado da história - a tensão, a batalha, e o resultado da história que Deus determinava.
A Perspectiva Escatológica
Os comentários finais da parte II acima introduziram materialmente o que se há de entender por perspectiva escatológica. Tendo em vista minha intenção de enfatizar a o Antigo Testamento, em poucas palavras ampliarei (ou repetirei) o que foi logo antes afirmado explicitamente, ou não explicitamente.
No cap 1, discuti a motivação de Deus Yahweh para a criação e o escaton da criação. O Criador nunca mudou sua motivação ou sua intenção. É verdade que a motivação veio a incluir sua misericórdia e graça quando a rebelião e o pecado entraram no cosmos. Sua meta, o escaton, também não sofreu alteração. A consumação intencionada seria alcançada. Novamente, os esforços satânicos e a intrusão do pecado moveram Deus Yahweh a estabelecer seu pacto redentor, através do qual o pacto original inerente e integral à criação poderia ser mantido, executado e consumado como pretendido inicialmente. De fato, o escaton de Deus Yahweh veria um reino cósmico totalmente desenvolvido e consumado.
Duas facetas importantes da perspectiva escatológica devem ser consideradas.
- Em primeiro lugar, devem ser mantidas em mente as forças constituintes básicas que operam no curso da história à medida que ela prossegue para a consumação. As maldições de Deus Yahweh sobre Satanás, sua semente, sobre Adão, Eva, sua semente e sobre o cosmos como um todo estarão presentes e influentes. Em tensão com essas maldições absolutas e mitigadas estão a retidão, a justiça, a hesed (fidelidade misericordiosa/pactual), e a graça de Deus Yahweh. Deus Yahweh continuará a ser o mantenedor e governador soberano do reino cósmico. Satanás e suas coortes continuarão em oposição a Deus Yahweh; sua derrota é certa, mas seus esforços para se opor a Deus Yahweh e frustrar os propósitos dele nunca cessarão. A semente da mulher, i.e., o povo regenerado, obediente, crente, servidor, continuará como vice gerentes no reino cósmico. Essa semente sofrerá oposição constante da semente humana de Satanás. Vem daí que uma oposição forte e duradoura, i.e., a antítese, será apresentada através do curso da história. Os dois grupos humanos antitéticos não serão separados espacialmente, geograficamente. Existirão juntos dentro do cosmos. Seus corações, devoção, orientação e direção serão absolutamente antitéticos. Não existirá uma base em comum, um meio termo, a esse respeito. A inimizade, proclamada e mantida por Deus Yahweh, caracterizará a antítese no seu nível mais fundamental. Mas, de acordo com a intenção e o propósito de Deus Yahweh, esta inimizade não deverá retardar ou impedir a semente da mulher de chamar ao arrependimento, de fazer o convite a unir-se na comunhão abençoada com Deus Yahweh e no serviço a ele, e de envidar esforços para ser um canal de bênçãos pactuais à semente humana de Satanás. O reino cósmico de Deus Yahweh permanecerá firme sob seu reinado soberano. O reino parasita de Satanás continuará a existir dentro dele. Estará em oposição constante ao único ambiente apropriado no qual ele pode existir.
Estes são os dois únicos reinos que as Escrituras nos permitem considerar. Os reinos humanos (ou governos de quaisquer tipos) serão reflexos, símbolos, representações imperfeitas de um dos dois reinos. Como será discutido mais tarde, quase todos os reinos humanos refletirão ou simbolizarão o reino parasita em muito maior extensão do que o reino de Deus Yahweh. Na verdade, será visto que os membros do reino de Deus Yahweh serão envolvidos como estrangeiros e peregrinos no mundo por causa do domínio destes reinos/governos que refletem e simbolizam o domínio parasita de Satanás.
- A segunda faceta da perspectiva escatológica são os termos que Deus Yahweh já revelou. A humanidade pecaminosa deve continuar a ser obediente aos mandatos pactuais da criação: o espiritual, o social e o cultural. Esta obediência envolverá suor, frustração, tristeza, dor, enfim, sofrimento. A lealdade a Deus Yahweh será uma “experiência machucadora” por causa da maldição mitigada que Deus Yahweh pronunciou e os esforços sem fim e obstinados de Satanás, suas coortes e seguidores. Os termos incluem o reconhecimento da inimizade que Satanás iniciou e Yahweh proclamou como estabelecida até a consumação. Haverá uma luta; serão travadas muitas batalhas de vários tipos. As linhas de frente já foram determinadas por Deus Yahweh e precisam ser reconhecidas, mantidas e nunca comprometidas. A inimizade será penetrante, afetando todas as dimensões do cosmos e da vida dentro dele. Não existirá nenhuma transigência. Pois transigir seria ignorar a natureza da inimizade e seu correlato, a antítese. Portanto, nãoexistirá rendição. O que vai haver, entretanto, será a expectativa, a crença, a esperança da vitória para os vice gerentes pactuais obedientes e fiéis de Deus Yahweh.
Concluindo, Deus Yahweh continuou o processo da história quando o pecado entrou. Ele revelou as forças envolvidas. Ele revelou os termos. Ele revelou que seu escaton pretendido seria realizado. Assim como o escaton foi embutido no seu pacto da criação, assim a consumação vitoriosa é embutida no pacto redentor. O protoevangelho nos assegura disto. Mas Deus Yahweh não incluiu uma referência ao tempo que levará para realizar a consumação.