Aula 6 – Temas no Evangelho de João

Introdução

Esta aula será diferente das demais em seu formato e conteúdo. Enquanto as outras aulas abordaram trechos específicos do evangelho de João, nesta aula veremos algumas características do quarto evangelho como um todo. É de suma importância estar consciente dessas características na hora da interpretação de qualquer texto de João, afinal quando João usa certas palavras e temas ele os usa à sua maneira. Além disso, muitas vezes é pressuposto pelo autor (no caso João) que o leitor já conhece a maneira que um mesmo termo foi utilizado. Assim, como intérpretes, se quisermos interpretar adequadamente, precisamos conhecer a ‘bagagem’ que palavras e expressões recorrentes trazem.

Como as outras, esta também é uma aula introdutória, ou seja, não vamos cobrir todos os termos e temas chave usados por João, e não vamos exaurir o signifcado daqueles que abordarmos.

João Batista

Se dependesse somente do evangelho de João, aquele que ficou conhecido na história como João Batista, provavelmente ficaria conhecido como ‘João Testemunhador’, afinal é esta a característica que o apóstolo mais enfatiza em seu homônimo. Não somos informados sobre os eventos relacionados ao nascimento de Batista, mas apóstolo mostra com excelência estilística o seu papel como precursor dos caminhos do Senhor (lembre-se do prólogo). O quarto evangelho também mostra que João Batista veio em cumprimento à profecia de Isaías (1.23, Isaías 40.3-4). João apóstolo mostra a maneira que João Batista preparou os caminhos do Senhor através de seus testemunhos, alguns dos quais registrados neste evangelho. Somente o quarto evangelho registra que dois discípulos de Batista, após testemunho de João, o deixaram e seguiram a Jesus (1.35-42), registra João chamando Jesus de o ‘Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo’ (1.29, 36) e registra as famosas palavras: ‘convém que ele cresça e que eu diminua’ (3.30). O evangelista narra também alguns testemunhos sobre João Batista,um de Jesus (5.31-38) e um de pessoas que foram atingidas pelo seu ministério (10.40-41). Sobre João Batista veja: João 1.6-9, 15-42; 3.22-36; 5.31-38; 10.40-41.

Evangelho do Testemunho

As palavras vinculadas a “μαρτυρέω” (martyreo, testemunhar = testificar) aparecem 47 vezes neste evangelho, sendo este um dos assuntos mais importantes do quarto evangelho. João Batista veio para testemunhar; Deus testifica sobre Jesus; o próprio Jesus testemunha sobre si mesmo, o autor do livro testemunha tudo o que viu, a mulher samaritana testemunhou aos samaritanos, as Escrituras testificam de Jesus, o Espírito testemunhará de Jesus, Jesus veio com o objetivo de testemunhar sobre a verdade. Além disso é pelo testemunho que muitos chegam à fé. Consulte: Jo 1.7; Jo 1.19; Jo 3.11; Jo 3.32; Jo 3.33; Jo 5.31; Jo 5.32; Jo 5.34; Jo 5.36; Jo 8.13; Jo 8.14; Jo 8.17; Jo 19.35; Jo 21.24; Jo 1.7; Jo 1.8; Jo 1.15; Jo 1.32; Jo 1.34; Jo 2.25; Jo 3.11; Jo 3.26; Jo 3.28; Jo 3.32; Jo 4.39; Jo 4.44; Jo 5.31; Jo 5.32; Jo 5.32; Jo 5.33; Jo 5.36; Jo 5.37; Jo 5.39; Jo 7.7; Jo 8.13; Jo 8.14; Jo 8.18; Jo 8.18; Jo 10.25; Jo 12.17; Jo 13.21; Jo 15.26; Jo 15.27; Jo 18.23; Jo 18.37; Jo 19.35; Jo 21.24.

Cristologia

Sendo o mais teológico dos evangelhos, João é uma fonte inesgotável de verdades profundas a respeito de Jesus Cristo. Os seguintes temas cristológicos são abordados por João: divindade/eternidade (1.1-2, 15, 30, 34; 3.31; 5.17-18; 8.58; 10.30-33; 16.28; 17.5, 24); Jesus como Filho Unigênito (3.16-18, 5.17-18); papel de intermediário na criação (1.3, 10); encarnação/humanidade (1.9-14; 4.6); papel como revelador do Pai (1.14); messianidade (1.41, 45; 4.25-26; 10.24-25); Filho de Deus e Rei de Israel (1.49, 11.27; 12.13); Cordeiro de Deus (1.29, 36); dado e enviado ao mundo por Deus (3.16-17, 11.42); comida de Jesus é fazer a vontade do Pai (4.34); Salvador (4.42); O filho vivifica, julga e merece honra como a do Pai (5.19-23); O profeta que deveria vir ao mundo (5.14-15; 7.40); Aquele que desceu do céu (6.38, 51); O Santo de Deus (6.69); Filho de homem (1.51; 3.13-14, 5.27; 6.27); Jesus dá a sua vida espontaneamente (10.17-18).

Eu Sou...

Uma das características mais marcantes deste evangelho é o fato de Jesus constantemente identificar-se com o EU SOU de Êxodo 3.14: 8.24, 28, 58 e 13.19. Além dessa séria reivindicação, Jesustambém se qualifica de várias maneiras através da frase eu sou: Eu Sou o pão da vida (6.35, 48, 51); oMessias (4,25-26); a luz do mundo (8.12); a porta das ovelhas (10.7, 9); o bom pastor que dá a vida pelas ovelhas (10.11, 14); a ressurreição e a vida (11.25); o caminho, a verdade e a vida (14.6); a videira verdadeira (15.1, 5).

Contrastes

Uma importante característica do evangelho de João são os contrastes. Luz e Trevas: Jesus é chamado de a verdadeira luz que ilumina a todo homem (1.4-5, 8-9), mas os homens amaram mais as trevas do que a luz porque as suas obras eram más (3.19-21). Próximo de morrer Jesus disse à multidão:andai na luz, crede na luz (12.35-36, 46). Mentira e Verdade: João usa várias vezes o conceito ‘verdade’ que em 8.43-47 aparece oposto à mentira.

Crer, Fé

É impossível exagerar a importância da fé no evangelho de João. A fé é o meio através do qual alguém é feito filho de Deus (1.12). Quem crer no Filho do homem levantado tem a vida eterna (3.14-15,16, 36; 6.47). Quem crê não é julgado, quem não crê já está julgado (3.18, 5.24, 27). Um importante meio através do qual as pessoas crêem é o testemunho (1.7; 3.11-12; 4.39-42, 48-53). A obra de Deus (que os homens devem fazer) é crer naquele que ele enviou (6.29). Aqueles que se perdem não crêem em Moisés (5.45-46).

Salvação

Intimamente ligada com o assunto fé, salvação também é um importante assunto no quarto evangelho. O intérprete deve estar atento para o fato de que João usa várias expressões diferentes para se referir ao mesmo conceito de salvação. Salvação é apresentada como sendo uma obra de Deus (1.13, 6.37, 44-45, 65) através da fé (1.12, 5.24, 6.47). Salvação é chamada de nascer de novo (3.3); nascer da água e do espírito (3.5-8), ter a vida eterna (3.16, 36; 4.36, 6.27, 58), matar a sede e a fome para sempre (4.10, 13-14, 6.35), unir-se a Cristo (6.56) e ter vida em abundância (10.10). É afirmado que Jesus morreu para salvar o mundo (3.17) e que quem não crê já está julgado e é alvo da ira de Deus (3.36). Jesus afirma à mulher samaritana que a salvação vem dos judeus (4.22). Quem comer a carne e beber o sangue de Jesus tem vida eterna (6.54-58).Aquele que se perde, perde-se porque não quer vir a Jesus (5.40), porque não o recebem (1.11), porque não querem vir à luz para não serem rerovadas as suas obras (3.19-21), porque gostam de glória para si mesmos e não para Deus (5.44), porque não ouvem a voz do bom pastor (10.26-27). Os que são salvos são chamados de ovelhas (10.16) e filhos de Deus (11.52) mesmo antes da conversão. Aqueles que foram dados pelo Pai ao Filho, de maneira nenhuma podem ser arrebatados das mãos do Filho (10.28-29).

Oposição à Jesus

A oposição ao ministério de Jesus vai crescendo à medida que o fim vai se aproximando. As primeiras referências a opositores são sutis (2.18-21; 4.1-3). A partir do capítulo 5, a oposição à Jesus é mais declarada e violenta. Logo após curar um paralítico, os judeus perseguem a Jesus e tentam matá-lo (Jo 5.16, 18), Jesus discute com eles (5.19-47). Na festa alguns acusam Jesus de ter demônio, novamente a sua morte é ventilada e alguns tentam predê-lo (7.20, 25, 30). Na festa dos tabernáculos os fariseus enviaram guardas para prender a Jesus, mas estes não o prendem impressionados com suas palavras (7.32, 45-49). No capítulo 8 a tentativa dos fariseus é causar com que Jesus diga alguma coisa contrária à lei para terem com que acusá-lo (8.6). Novamente Jesus é acusado de ter demônio (8.48-58), novamente tentam apedrejá-lo, mas não conseguem (8.59,10.20, 31, 39). É exatamente após o maior sinal de Jesus que os líderes religiosos de Israel decidem matá-lo e começam aagir de forma organizada para atingir este objetivo (11.49-50, 53, 57).

“A minha hora”

No casamento de caná Jesus diz à Maria: ainda não é chegada a minha hora (2.4). Novamente quando os seus irmãos o chamam para ir à festa ele diz que ainda não chegou a sua hora (7.6, 8). Em 7.30 e 8.20 a expressão está na explicação do narrador: tentaram prender Jesus, mas não conseguiram pois não era a sua hora. Somente quando a decisão de matar Jesus já foi tomada é que então Jesus começa a dizer que sua hora (de ser glorificado) é chegada: João 12.23, 27; 17.1. Eis os textos que tratam sobre a hora de Jesus: 2:4; 4:21, 23; 5:25, 28; 7:30; 8:20; 12:23, 27; 13:1; 16:2, 4, 25, 32; 17:1.

Espírito Santo

Pousou como pomba sobre Jesus (1.32-33). É um agente do novo nascimento (3.5-6). É chamado água viva (4.10, 13-14). Para que o Espírito seja enviado, Cristo precisa ser glorificado (7.37-39). Os capítulos 14-16 são os que mais revelam sobre o Espírito Santo em João. As seguintes obras do Espírito podem ser vistas: O Espírito consola (João 14.16); ensina (João 14.25-26); testemunha sobre Cristo (João 15.26-27); convence o mundo de pecado, justiça e juízo (João 16.7-11) e glorifica a Jesus(João 16.12-15). O Espírito é chamado de o Consolador (14.16, 26; 15.26); o Espírito da Verdade (14.17; 15.26), Espírito Santo (14.26). Jesus anuncia que o Espírito que naquele momento estava com os discípulos, passará a estar em os discípulos (14.16-17).

Relacionamento Trinitário

Este evangelho tem muito a dizer sobre a relação de Jesus com as outras pessoas da Trindade. Jesus e o Pai: estavam juntos no princípio (1.1-2, 6.46); Jesus é aquele que revela o Pai (1.14, 18) e zela pela casa do Pai (2.16-17). Deus é aquele que por causa do seu amor pelo mundo, deu e enviou seu Filho para salvar os que crêem (3.16-17, 34). O Pai ama o Filho e tem lhe dado autoridade sobre todas as coisas (3.35). A comida de Jesus é fazer a vontade do Pai (4.34, 6.38). Ambos trabalham até agora (5.17) e ambos se conhecem (10.15). “Eu e o Pai somos um” (10.30, 10.38). Divisão de obras (5.19-23). O Pai fala com o Filho (12.28) e lhe prescreve o que dizer (12.48-50). A glória do Pai e do Filho são inseparáveis (1.14, 13.31). Jesus e o Espírito Santo: o ES desceu sobre Jesus no batismo (1.32); O Pai alertou João Batista que aquele sobre quem este visse descer o Espírito era quem batizaria com o ES (1.32-34), O Pai e o Filho enviam o Espírito (14.16-17, 26; 15.26; 16.7).

Sinais (σημείων, semeion)

Certamente um dos temas mais importantes do evangelho de João é relacionado aos sinais. João escolhe sete atos sobrenaturais de Jesus para narrar. Ao invés de chamá-los milagres (como os sinóticos), João chama estes atos sobrenaturais de sinais, pois eles apontam para algo.

1º sinal : água em vinho (2.1-11): este primeiro sinal estabelece um padrão muito importante no evangelho: através dele Jesus manifesta a sua glória e seus discípulos crêem nele (v. 11). Logo após, João narra Jesus purificando o templo e os fariseus o questionando sobre que sinal ele faz para assegurar seu direito de agir assim (purificando o templo), então Jesus coloca-se como o novo templo e diz que o sinal que fará será a reconstrução do templo em três dias após a destruição (sua ressurreição, João 2.18-21). Assim, este primeiro sinal está conectado ao último e maior de todos, a morte e ressurreição de Jesus.João 2.23 afirma que muitos creram por causa dos sinais que Jesus realizou na festa da Páscoa e Nicodemos reconhece algo especial em Jesus também por causa dos sinais (3.2).

2º sinal : cura à distância (4.46-54): novamente sinal e fé são interligados.

3º sinal : cura de um paralítico (5.1-9): João usa ironia para mostrar o crescimento da oposição à Jesus, expondo assim as motivações daqueles que o perseguiam: “E os judeus perseguiam Jesus, porque fazia estas coisas no sábado” (v. 16). Ao invés de fé, como nos outros sinais, a resposta a este sinal é perseguição e tentativa de assassinato (5.16, 18). Numerosa multidão segue Jesus por causa dos sinais (6.2).

4º sinal : multiplicação dos pães (6.1-15): O sinal leva a multidão a reconhecer que Jesus é o profeta que deveria vir ao mundo e querer procamá-lo rei (v. 14-15). Apesar disso Jesus diz à multidão que eles estavam interessados somente nos pães e nãoem crer naquele que fazia sinais sendo o próprio pão vivo que desceu do céu. Enquanto muitos abandonam Jesus, Pedro faz uma firme declaração de fé (6.26-69).

5º sinal : Jesus anda sobre a água (6.16-21). Muitos ficam balançados para reconhecer a messianidade de Jesus por causa dos sinais (7.31).

6º sinal : Jesus cura um cego (9.1-7): este sinal realizado por Jesus está ligado ao discurso anterior no qual Jesus se apresneta como a Luz do mundo (8.12-20, 9.5). Novamente os sinais de Jesus são causa de divisão (9.16).

7º sinal : Ressurreição de Lázaro (11.1-46): o sétimo sinal é o que João usa mais tempo para narrar e é também o mais impressionante. Este sinal tanto confirma o que Jesus tem dito sobre tervida eterna ao crer nele, quanto aponta para o seu poder sobre a morte, a ser demonstrado na sua ressurreição.

Resultado : alguns crêem, outros foram contar aos fariseus. Muitos não creram apesar dos sinais (12.37).

Ao final de seu evangelho, João revela o porque narrou estes sinais: “Na verdade, Jesus fez diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome ”.

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